Em que acredita uma pessoa niilista

“Minha filosofia: platonismo revertido: quanto mais afastado do verdadeiro ente, tanto mais puro, belo, melhor. A vida no brilho da aparência como meta”

Nietzsche, Fragmento póstumo

Niilismo Passivo

Reconhecendo as consequências negativas das limitações impostas pelas concepções do pensamento socrático e da moral cristã, o niilismo passivo nega o mundo construído a partir disso. Limitar a existência criando um sentido artificial para ela (como o céu, o supremo bem, o mundo inteligível etc.) é desperdiçar a força vital do ser humano.

Ocorre que o mundo ocidental centrado na civilização europeia é herdeira dessas concepções. Negá-las é negar como é a vida e o homem europeu. Viver na expectativa ou em função de um mundo superior é mentir para si mesmo sobre si mesmo. Negar isso é negar a única concepção de homem consolidada ao longo da história no pensamento ocidental. É o vazio.

Niilismo ativo

O passo anterior é o sintoma de uma doença. O homem está doente de si mesmo, padeceu de esperança, de sentido, de limitações. O niilismo passivo é uma febre. O homem deve recuperar sua força vital, destruir a moral e qualquer concepção metafísica de existência. A vida não tem sentido, não tem motivo, não tem ordem. O niilista está no vazio agora.

Do vazio, construir. Deus morreu, não como personalidade, mas como todo o arcabouço metafísico que dá um sentido à vida, considerado falso pelo niilismo. O homem deve assumir sua capacidade de criação e produzir valores, transvalorar. Não podemos deixar de perceber como Nietzsche percebe a metafísica e a moral conectadas. Afinal, o comportamento humano está inserido naquilo que concebe existir.

4 - Deleuze e o Niilismo

“Eu vi descer sobre os homens uma grande tristeza. Os melhores entre ele se cansaram de suas obras. Uma doutrina surgiu, acompanhada de uma fé: ‘Tudo é vazio, tudo é igual, tudo foi!'”

Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

Ávido leitor de Nietzsche, Gilles Deleuze conseguiu produzir uma sistematização do pensamento nietzschiano causando uma revitalização do niilismo. Sua interpretação insere no niilismo (como vimos antes) não só aqueles que se opõem às limitações da vida, mas aqueles que geram essa limitação, que é uma negação. Temos assim quatro tipos de niilismo:

Niilismo Negativo

Nietzsche é um profundo negador da dialética. Podemos chamar até mesmo de antidialético. A dialética admite a negação, a contradição na formulação do pensamento. Para Nietzsche não há conciliação entre sim e não.

Nossa incapacidade de compreender o mundo nos faz criar outro, falso, para o qual dizemos sim. Dizer sim ao outro mundo é dizer sim para a mentira, para a vida, é a negação absoluta. A filosofia socrática e, principalmente, o cristianismo representam esse sim/não. Sócrates e Jesus não foram mortos, se suicidaram, porque negaram a vida.

Niilismo reativo

Deus morreu. O homem reconheceu sua centralidade na existência. Mas não sabemos como fazer. Saímos da crisálida, mas ainda estamos à sua sombra. Deleuze interpreta que Nietzsche acredita que abandonamos o conteúdo divino, mas a forma cristianizada ainda segue. É a secularização do cristianismo.

Continuamos negando a vida, mas a razão agora é o dever, nossa racionalidade. Deus sai de cena e criamos uma entidade metafísica nova, “a humanidade”, que serve de justificativa para continuarmos negando o que temos de humano. Kant é o principal representante desse niilismo.

Para Kant a felicidade é o estado de quem alcança plenitude racional, onde tudo acontece conforme pensa e deseja. Ora, para Nietzsche, não há nada mais impossível que essa felicidade. Não há ordem no mundo que se conjugará a racionalidade humana. Essa felicidade, com ares de paraíso, é a negação da felicidade.

Niilismo passivo

“Ah, onde há ainda um mar onde possamos nos afogar?: eis como soa o nosso lamento – por sobre pântanos rasos. Em verdade ficamos cansados demais para morrer, ainda estamos acordados e prosseguimos vivendo – em sepulcros!”

Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

O deus humanidade também não serviu, seguirá o mesmo destino do anterior. Com isso somos todos mortos-vivos, sofrendo e adoecendo cada vez mais. As esperanças acabaram, não há mais para onde ir, estamos resignados, só sobrou o vazio.

A resignação é a postura mais distante do niilismo desejável, segundo Nietzsche. Apesar disso, ela é fruto do melhor diagnóstico sobre a condição humana: não há nada lá fora, nem aqui dentro, só nós.

Schopenhauer é o grande expoente desse niilismo, um dos poucos pensadores poupados da fúria do martelo nietzschiano. Disse ele:

“No espaço infinito, inumeráveis esferas brilhantes. Em torno de cada uma delas giram aproximadamente uma dúzia de outras esferas menores iluminadas pelas primeiras e que, quentes em seu interior, estão cobertas de uma crosta rígida e fria sobre a qual uma cobertura lodosa deu origem a seres vivos que pensam; – eis aí a verdade empírica, o real, o mundo”

SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e como Representação

Um mundo nu, sem idealismos, nem transcendências, sem metafísica, imanente. Schopenhauer é um dos primeiros filósofos a pensar a irracionalidade. Mas, para ele, a essência da realidade era irracional. A vontade, a força motriz de criadora, que é também tudo (por isso, imanente) é a essência do ser humano.

Aqui o ser humano está cansado de existir, exaurido pelo constante desejo. De fato, para Nietzsche, o diagnóstico é preciso, mas a solução proposta, negar o desejo e a vontade, é aprofundar a crise.

Niilismo ativo

A vontade em Nietzsche é a vontade de potência. Nos realizamos quando damos vazão ao nosso lado irracional, pois, certamente, ele nos compõe. Nietzsche observa nas tragédias gregas uma representação bem acabada da condição humana, o apolíneo (autocentrado, racional, frio) e o dionisíaco (empático, desejante, incontido).

Estamos doentes porque, desde Sócrates, abandonamos nosso lado dionisíaco. A racionalidade extremada socrática que invade todos os aspectos do pensamento e contamina até as tragédias nos limita, nos mutila. A cura é a vontade. Assumir o que somos e realizar o que queremos nos faz humanos outra vez, mas como?

Nietzsche afirma que faremos isso através do super-homem. Ele não se afirma assim, nem afirma que será o homem de seu tempo. Mas propõe a questão: se chegamos a conclusão de que tudo é nada, seremos os últimos homens, os homens do fim, ou seremos o super-homem, o homem que superará?

Veja bem, desde Sócrates, passando pelo cristianismo, a filosofia atua como uma legisladora. Ela tira os pedaços da nossa humanidade afirmando: “isso não pode!”. Seguimos essas proibições, o que chamamos moral, tentando alcançar plenitude. Mas se é justamente os valores que nos impedem de nos realizar então temos que os superar.

Os valores não são nada, não têm sentido. Estão todos destruídos pelo martelo. O super-homem irá transvalorar os valores, criará outros, não repetidos, mas inéditos. A busca da salvação ou da certeza não será mais o guia, mas abraçaremos a incerteza da condição humana. Viveremos a tragédia.

“O maior desafio do século XXI, é resgatar o valor da vida, a maior ação política é incentivar a vontade de viver. A vida não precisa estar vinculada a um projeto de felicidade; a experiência da via, em si mesma, o jogo da vida se basta. Nietzsche afirma, em seu pensamento mais maduro, a necessidade de reconciliar o homem com o corpo, com a presença, com o tempo.”

Para Nietzsche, o trabalho da filosofia do seu tempo é de preparar a chegada do super-homem. Não esquecendo de que a moral é uma construção social, um consenso, uma convenção. Quando Nietzsche fala e transvaloração, ele aponta para um processo coletivo.

Ao fim podemos concluir que Nietzsche entende o niilismo como a “falta de fins”. Não há um objetivo para o futuro. O mais interessante é a influência da interpretação de Nietzsche da bíblia e de Jesus numa perspectiva histórica. Assim como Nietzsche filosofou a golpes de martelo, destruindo a moral e transvalorando na figura firme de Zaratustra, observamos a mesma dureza em Jesus e seu objetivo de instituir novos valores, transvalorar. Disse Ele: “Eu não vim trazer a paz, mas a espada”. Talvez seja possível afirmar que tanto Nietzsche quanto Jesus vieram para causar.

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O Niilismo é uma escola que exalta radicalmente a concepção materialista e positivista. Ela retira do âmbito do Estado, da Religião e da Família todo poder, a capacidade de reger os passos do Homem. Esta linha filosófica influi nas mais distintas áreas do conhecimento humano, da literatura e da arte às ciências humanas e sociais, passando pelas esferas da ética e da moral.

Para seus seguidores toda e qualquer possibilidade de sentido, de significação da existência humana, inexiste. Não há forma alguma de se responder às questões levantadas pelo Homem. Eles desprezam convenções, verdades absolutas, normas e preceitos morais. A própria expressão Niilismo já denota seus propósitos, pois vem do latim nihil, ‘nada’. Até mesmo os princípios estéticos são repudiados por eles.

Seus precursores no campo do conhecimento são Feuerbach, Darwin, Nietzsche, Henry Buckle e Herbert Spencer. Mas a palavra em si foi utilizada primeiramente em 1799, pelo filósofo alemão Friedrich Heinrich Jacobi, embora o movimento niilista tenha nascido no século XIX, na Rússia governada pelos czares. Posteriormente o escritor russo Ivan Turgueniev recorreu a este conceito para revelar que só é real o que é percebido pelos sentidos humanos, o restante simplesmente não existe, seja poder ou convenção.

Seu aspecto positivo resgata o poder humano de escolher e de assumir suas próprias responsabilidades, livre de toda opressão estatal ou religiosa; mas sua face negativa beira a destruição pura dos iconoclastas – adeptos da doutrina que rejeita a devoção às imagens religiosas, mas assume hoje uma significação mais ampla, referindo-se a qualquer um que ousa romper com verdades absolutas ou tradições arraigadas.

O niilismo praticado pelos russos era de natureza mais religiosa, pois rejeitava a Divindade, a essência espiritual, a existência da alma, ideais, preceitos e princípios absolutos. Eles se recusavam a aceitar um mundo que era povoado pelo mal, pela riqueza, por tudo que representasse as esferas da arte, da metafísica e da religião. Todos os esforços deveriam se voltar para a luta dos trabalhadores contra a opressão, as ilusões supersticiosas e as idéias preconcebidas. A civilização ocidental costumava confundir todos os grupos revolucionários russos com a filosofia niilista, mas a maior parte deles não seguia exatamente esta doutrina.

Nietzsche também nutriu sua própria concepção niilista. Para ele este movimento tinha implicações bem mais vastas e penetrantes. Ele o concebe como uma linha filosófica entretecida no mundo ocidental, mas que remonta a séculos passados, embora aspire transformar o futuro.

Seu núcleo ideológico central está focado, segundo o filósofo, na morte da Divindade Cristã e nos resultados desta extinção. Deus, aqui, deve ser compreendido não apenas como a imagem de Jesus, mas especialmente como o universo transcendental, os valores morais, as idéias, regras, preceitos que dão sustentação a esta esfera situada além da matéria.

O niilismo nietzscheano, assim, não apenas demole valores já ratificados pela Humanidade, mas visa igualmente suprir esta ausência com a gestação de outros princípios. O niilismo seria, então, a fase de transição entre um mundo que se despede e outro que se insinua na aurora, constituído, este sim, semelhante à Humanidade.

Fontes:
https://web.archive.org/web/20091125094934/http://www.pfilosofia.xpg.com.br:80/geocities/encfil/niilismo.htm