A mao que afaga é a mesma

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, citou nesta sexta-feira (3) o poeta brasileiro Augusto dos Anjos (1884-1914) para dizer que a alta aprovação da pasta, mostrada em pesquisa Datafolha, não deve ser comemorada em meio ao enfrentamento da pandemia de coronavírus.

Segundo ele, trata-se de um momento efêmero e, em breve, a situação pode virar, inclusive contra ele.

Mandetta buscou explicar seu raciocínio com parte da obra do poeta, que morreu, aos 30 anos, justamente de uma doença respiratória, pneumonia.

"A fase do desgaste vem ali na frente", disse o ministro, que continuou, citando Augusto dos Anjos: "A mão que afaga é a mesma que apedreja".

Em "Versos Íntimos", o poeta escreveu: "Toma um fósforo. Acende teu cigarro! / O beijo, amigo, é a véspera do escarro / A mão que afaga é a mesma que apedreja".

A referência ao poema usada pelo ministro foi também uma forma de evitar polemizar com o presidente Jair Bolsonaro, com quem vem mantendo divergências sobre a condução dos esforços para conter a Covid-19.

Pesquisa Datafolha mostrou que a aprovação do Ministério da Saúde passou de 55% para 76% em um intervalo de pouco mais de dez dias. Por outro lado, a de Bolsonaro passou de 35% para 33%.

Mandetta evitou exaltar sua gestão e o reconhecimento da população ao trabalho de sua pasta, um dia após ver o presidente declarar que lhe faltava humildade e que ele às vezes "não ouvia o presidente".

"É efêmero, é passageiro, isso não é uma coisa que fica. Essa crise passa. Daqui a pouco, eu sou passado. Aqueles que vão pensar politicamente vão falar: 'Agora como é que a gente faz para desgastar? Olha, morreu muita gente, porque ele não preparou isso, não preparou aquilo'", afirmou Mandetta, antes de citar Augusto dos Anjos.

O ministro também usou metáforas médicas para justificar a diferença de opinião existente entre ele e o presidente.

Mandetta afirmou que ele representa a figura do "médico do paciente Brasil", enquanto Bolsonaro é um parente do paciente.

"Tenho 31 anos de medicina. A gente se prepara para cuidar de pacientes. Eu já tive paciente em que a família às vezes questiona o médico, briga, e o compromisso é com o paciente", declarou.

"Versos íntimos"

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão -esta pantera-

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

No vídeo, o ator Amaro Vieira declamou Versos íntimos e A obsessão do sangue. Para o impresso, ele posou para as cinco fases do luto, da negação à aceitação. O repórter do Viver, Fellipe Torres, contou com este auxílio luxuoso para contar, em duas páginas do Diario de Pernambuco deste domingo, histórias de pessoas cheias de vida que convivem diariamente com a morte: um coveiro, um agente funerário, uma zeladora de jazigos, um fiscal de cemitério e um vendedor de flores. A frase anterior ficou deliberadamente tortuosa e ambígua. Tudo para ressaltar a importância de Augusto dos Anjos, poeta paraibano cujo trágico passamento, aos 30 anos de idade, completa um centenário na quarta-feira. Autor de um único livro – Eu – Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884-1914) continua tendo a sua obra estudada e revisitada, ao contrário dos muitos detratores da sua época. Um anjo de asas negras, para os íntimos.

Uma informação relevante: a ideia do ator para ilustrar o material foi do editor de arte, Christiano Mascaro.

VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de sua última quimera. Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Versos Íntimos é dos poemas mais celebrados de autoria de Augusto dos Anjos. Os versos expressam um sentimento de pessimismo e decepção em relação aos relacionamentos interpessoais.

O soneto foi escrito em 1912 e publicado no mesmo ano no único livro lançado pelo autor. Intitulado Eu, a obra foi editada quando Augusto dos Anjos tinha 28 anos.

Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de sua última quimera. Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera! O homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

Este poema transmite uma visão pessimista da vida. A linguagem usada pelo autor pode ser considerada uma crítica ao parnasianismo, um movimento literário conhecido pela linguagem erudita e romantismo exacerbado.

Esta obra revela também a dualidade na vida do ser humano, indicando como tudo pode mudar, ou seja, as coisas boas podem se transformar rapidamente em coisas más.

Existe também um contraste entre o título e a realidade revelada pelo poeta, pois o título "versos íntimos" pode remeter para o romantismo, algo que não se verifica no conteúdo do poema.

Em seguida revelamos uma possível interpretação de cada estrofe:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de sua última quimera. Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

É mencionado o enterro da última quimera que neste caso indica o fim da esperança ou do último sonho. É transmitida a ideia que ninguém se importa com os sonhos destruídos dos outros porque as pessoas são ingratas como animais selvagens (neste caso uma feroz pantera).

Acostuma-te à lama que te espera! O homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

O autor utiliza o imperativo dando o conselho que quanto mais cedo a pessoa se acostumar com a cruel e miserável realidade do mundo, será mais fácil. O Homem voltará à lama, regressará ao pó, está destinado a cair e a se sujar na lama.

Ele afirma que o Homem vive no meio de feras, de pessoas sem escrúpulos, más, sem compaixão e que por isso, ele também tem que se adaptar e ser também uma fera para viver neste mundo. Esta estrofe está de acordo com a famosa frase "O homem é o lobo do homem".

Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

O poeta utiliza uma linguagem coloquial, convida o "amigo" (para quem escreveu o poema) a se preparar para traições, para a falta de consideração do próximo.

Mesmo quando temos demonstrações de amizade e de carinho como um beijo, isso é apenas o prenúncio de algo mau. Aquele que hoje é teu amigo e te ajuda, amanhã te abandonará e causará dor. A boca que beija é aquela que irá cuspir em seguida, causando dor e desilusão.

Se alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

O autor faz a sugestão de "cortar o mal pela raiz", para evitar o sofrimento no futuro. Para isso, ele deve cuspir na boca de quem o beija e apedrejar a mão que o acaricia. Isso porque, de acordo com o poeta, mais cedo ou mais tarde, as pessoas irão nos desiludir e machucar.

Estrutura do poema Versos Íntimos

Esta obra poética é classificada como um soneto, possuindo quatro estrofes - dois quartetos (4 verso cada) e dois tercetos (três versos cada).

Quanto à escansão do poema, os versos são decassílabos com rimas regulares. No soneto Augusto dos Anjos se apropria do estilo de soneto francês (ABBA/BAAB/CCD/EED), conheça abaixo a organização das rimas:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável(A) Enterro de tua última quimera.(B) Somente a Ingratidão — esta pantera -(B)

Foi tua companheira inseparável!(A)

Acostuma-te à lama que te espera!(B) O Homem, que, nesta terra miserável,(A) Mora, entre feras, sente inevitável(A)

Necessidade de também ser fera.(B)

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!(C) O beijo, amigo, é a véspera do escarro,(C)

A mão que afaga é a mesma que apedreja.(D)

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,(E) Apedreja essa mão vil que te afaga,(E)

Escarra nessa boca que te beija!(D)

Versos íntimos faz parte do livro Eu, único título publicado pelo autor Augusto dos Anjos (1884-1914).

Eu foi lançada em 1912, no Rio de Janeiro, quando o autor tinha 28 anos e é considerada uma obra pré-modernista. O livro reúne poemas construídos com uma abordagem melancólica e, ao mesmo tempo, dura e crua.

A mao que afaga é a mesma
A mao que afaga é a mesma
Primeira edição do livro Eu, publicado em 1912, que abriga o soneto Versos íntimos.

Dois anos depois da publicação, em 1914, o poeta veio a falecer precocemente vítima de pneumonia.

O livro Eu encontra-se disponível para download gratuito em formato pdf.

Explore também os maiores poemas de Augusto dos Anjos.

Versos Íntimos declamado

Othon Bastos recita o mais famoso poema de Augusto dos Anjos, confira o resultado na íntegra:

A mao que afaga é a mesma

Vários escritores consagrados elegeram Versos Íntimos com um dos 100 melhores poemas brasileiros do século XX.

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