O juiz deve julgar de acordo com as provas dos autos

Sumário:

1. Introdução. 2. Valoração ou valorização da prova. 2.1. Posição do STF. 2.2. Posição do STJ. 3. Conclusão.

1. Introdução

Este estudo tem por objeto os recursos extraordinários interpostos pela alínea "a" do inciso III do artigo 102, e os recursos especiais apresentados pelas alíneas "a" e "c" do artigo 105, ambos da Constituição Federal de 1988, que são os mais comuns em matéria de indenização pela criação de áreas de proteção ambiental (parques, estações ecológicas etc.).

A Constituição Federal de 1988 modificou o recurso extraordinário e extinguiu a argüição de relevância da questão federal, que eram disciplinados pelos artigos 119 da Constituição pretérita e 325 do RISTF.

O constituinte dividiu o antigo recurso constitucional em dois, um extraordinário e outro especial, prescrevendo caber ao primeiro o julgamento da matéria constitucional, e competir ao segundo a apreciação da legislação infraconstitucional e a uniformização do direito federal.

Recorde-se que os recursos constitucionais são cabíveis das causas decididas em única ou última instância, o que significar dizer decisão final, de que não caiba outro recurso, e que somente a matéria debatida no acórdão pode ser objeto dos recursos constitucionais. Daí decorre a necessidade de esgotamento da instância inferior (embargos infringentes quando a decisão não é unânime) e a exigência do prequestionamento1 da questão constitucional, no caso do recurso extraordinário, e do tema de direito federal, na hipótese do recurso especial, conforme demarcaram os verbetes das Súmulas ns. 281, 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.

Cabe ainda lembrar que as instâncias ordinárias são soberanas na apreciação da matéria probatória constante dos autos, por isso é que já se proclamou, a respeito dos fatos da causa, que os tribunais de segunda instância dizem a última palavra (Sérgio Rizzi, Do recurso extraordinário, Revista do Advogado, AASP, 27/42).

Essa competência recursal bem circunscrita acabou ajustando o recurso extraordinário (cabível exclusivamente em questões constitucionais) e o recurso especial (competente unicamente em assuntos infraconstitucionais), ficando a cargo das instâncias inferiores a exclusividade na apreciação das provas, para chegar à certeza quanto à verdade dos fatos, segundo os critérios legais.

Corolário dessa proposição é a proclamação constante da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal, mais tarde seguida pela da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça, as quais possuem os seguintes textos: "para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário" e "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial"2.

Não existe, portanto, uma terceira instância para reexaminar as provas e os fatos do processo. Além das súmulas acima mencionadas, é farta a jurisprudência diária das Cortes constitucionais.

Acontece que, às vezes, não se faz justiça sem um certo desapego às fórmulas sacramentais, pesada herança da escola exegética francesa, mais preocupada com o raciocínio lógico-formal, como disse certa feita o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, para concluir que "a forma não pode sacrificar a substância" (REsp n. 35.105-8/RJ – DJU, de 28.6.93)3.

Bem por isso a preocupação da doutrina em fazer importante distinção entre a reapreciação da prova e a valoração ou valorização legal dessa mesma prova.

Nesse sentido, Castro Nunes há muito tempo ensinou:

"Quando se diz que o Supremo Tribunal, no julgamento do recurso extraordinário, não julga questões de fato nem aprecia provas, expressa-se uma verdade, um postulado da teoria desse recurso. Mas cumpre entender em termos essa abstenção: o Tribunal supremo não julga os fatos, não julga das provas produzidas, aceita estas como aqueles nos termos em que os pôs o julgado recorrido. Mas não abstrai desses elementos quando a regra legal assenta num pressuposto de fato, reconhecido como provado, ou não controvertido nos autos. Em tais casos não é possível declarar o direito sem o fato que o condiciona. Se o julgado local não teve como provado o fato, por ausência ou defeito de prova, falta ao direito invocado um pressuposto que ao Supremo Tribunal não cabe apreciar nem estabelecer, porque soberana é, nessa parte, a justiça local. Mas se acerca do fato não se controverteu ou se o julgado local liquidou a controvérsia, não há porque deixar de julgar a questão de direito porque esta envolva um pressuposto de fato." (Teoria e prática do poder judi-ciário, Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 357-358)

Deveras, alguns pressupostos de fato são fundamentais quanto aos pressupostos legais, sendo impossível, nesses casos, aplicar o direito à espécie, abstraindo o elemento de fato que o condiciona, sob pena "de uma equivocada valoração das provas resultar a errônea aplicação do Direito, porque o Direito aplicado ao caso concreto não corresponderá à vontade abstrata da lei", conforme adverte Nelson Luiz Pinto, para arrematar:

"Se o juiz, ao apreciar os fatos e as provas, a eles aplica uma lei inaplicável, aplica mal a lei aplicável ou não a aplica, ou, mesmo, se ele se engana sobre a existência, validade ou significado de uma norma jurídica, comete, segundo José Afonso da Silva, erro de direito in iudicando. É, ainda, erro de direito in iudicando, passível de ser eventualmente corrigido pelo recurso extraordinário, o que se comete na qualificação jurídica dos fatos provados." (Recurso especial para o STJ, 2. ed., São Paulo: Malheiros, p. 164)

Para Rodolfo de Camargo Mancuso, a matéria é povoada de dificuldades, porque nem sempre é fácil delimitar os extremos entre o que é matéria de fato e matéria jurídica, ressalvando, no entanto, não ser assim, "quando o fundamento do recurso seja o error juris do julgador na aplicação dos princípios sobre a prova" (Recurso extraordinário e recurso especial, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 83).

Assim, quando a questão em debate enquadra-se no tema da valoração ou valorização legal da prova, Ulderico Pires dos Santos defende que o recurso extraordinário "tem perfeita adequação porque nesse é que existe infringência de princípio jurídico do direito probatório, por haver menoscabo dos elementos probatórios contidos no bojo dos autos" (Teoria e prática do recurso extraordinário cível, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 23).

2. Valoração ou valorização da prova

No Supremo Tribunal Federal, formou-se orientação jurisprudencial consagradora do princípio de que a valoração ou valorização legal das provas não constitui matéria de fato, mas de direito4. Essa jurisprudência foi construída à época em que a Corte Suprema possuía competência para interpretar e harmonizar o direito federal e serviu para amenizar os rigores da Súmula n. 279 do próprio STF.

Vejamos, a seguir, alguns julgados que expressam a orientação cristalizada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

"Recurso Extraordinário da letra "a" conhecido e provido. Quaestio juris distinta de Quaestio facti: Problema de valorização da Prova, e não propriamente de apreciação da Prova. A fraude se revela por indícios e presunções, que não podem ser degradados a meras conjecturas, quando idôneos, em tese, a configurar as injustiças e ilicitudes cometidas pelos que operam à maneira do cameleão, para burlar a lei e lesar pessoas de boa fé." (STF, RE n. 57.420/SP, rel. Min. Antonio Villas Boas, in RTJ 32/703)

"Prova. Se se trata de examinar o critério legal da valorização da prova, o caso não é de simples apreciação desta, de acordo com a Súmula n. 279. Negativa de vigência do artigo 252 do Código de Processo Civil e dissídio de jurisprudência devidamente comprovado. Recurso Extraordinário conhecido e provido. (RE n. 70.568/GB, rel. Min. Barros Monteiro, DJU, de 13.11.70)"

"Recurso Extraordinário. Acórdão que, sopesando o poder de convencimento das provas, conclui pela improcedência de ação de investigação de paternidade. Inexistência de questão federal relativa ao valor de prova, ou de valorização de prova in abstracto. Recurso Extraordinário não conhecido." (STF, RE n. 84.699/SE, rel. Min. Cunha Peixoto, rel. acórdão Min. Rodrigues Alckmin, RTJ 86/554).

"Anistia fiscal. Imposto de Selo. Deixando de dar valor a prova válida (e acolhida por sentença passada em julgado), para ater-se a prova obtida em instrução administrativa que foi anulada, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 118 do CPC/39, e divergiu da jurisprudência do STF. Questão que diz respeito a valorização da prova, e não a sua interpretação. Recurso Extraordinário conhecido e provido em parte. (STJ, RE n. 86.082/RJ, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 81/280)"

"Não incide a Súmula 270 na qualificação jurídica dos fatos da causa, através da valoração da prova documental. Ausência de novação ou da dação em pagamento. Entrega, no curso da causa, ao banco credor, de novos títulos em operação vinculada aos primeiros, sem que o exeqüente as tenha obrigado a extinguir ou suspender o processo. Sentença de primeira instância rejeitando os embargos do devedor. Apelação deste pleiteando a suspensão da execução. Acórdão que, ultrapassando esse pedido, decretou a extinção do processo. Recurso extraordinário conhecido para restabelecer a sentença de primeiro grau, ressalvados os pagamentos realizados no curso da causa. A suspensão da lide, nesta altura, está superada em face de já ter vencido o último título dado em garantia, sem a prova, nos autos, de seu pagamento. Essa operação não importou em extinção da dívida originária, mas num reforço para o seu pagamento. " (STF, RE n. 91.139/PR, rel. Min. Soarez Munhoz, RTJ 97/330).

"1. Investigação de paternidade. A coisa julgada e a concluso do raciocínio do juiz, expressa no dispositivo da sentença (Código de Processo Civil, art. 458, III). Nas causas relativas ao estado da pessoa, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros, quando houverem sido citados, no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados (Código de Processo Civil, art. 472). 2. O exame da prova distingue-se do critério de valorização da prova. O primeiro versa sobre mera questão de fato; o segundo, ao contrário, sobre questão de direito. O juiz desce ao exame da prova, quando tem de considerar os fatos, fundado nos quais declara a vontade da lei, que se concretizou no momento em que ocorreu a incerteza, a ameaça ou a violação do direito. Quando o juiz sobe a verificação da existência ou não da norma abstrata da lei, a questão é de direito. 3. Inexistindo questão federal de direito e não estando comprovado o dissídio jurisprudencial, não se conhece do recurso ordinário." (STF, RE n. 99.590/MG, rel. Min. Alfredo Buzaid, RTJ 113/241)

2.1. Posição do STF

Todavia, recente pesquisa realizada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal demonstra que os atuais Ministros que integram aquela Corte estão mais voltados à preocupação lógico-formal, tão criticada pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, em posição manifestamente antagônica à busca da substância.

Exemplo maior dessa tendência – prevalência do aspecto formal – se deu por ocasião da reinterpretação da Súmula n. 288 (a prova da tempestividade, não apenas do próprio agravo, mas também do recurso extraordinário denegado – comunicado da Presidência do STF, publicado no DJ de 27.6.95, Seção I,

p. 19.970), quando a Suprema Corte incluiu, entre os documentos essenciais à formação do instrumento do agravo, alguns que não foram previstos na reforma, recente àquela época, do Código de Processo Civil (Lei n. 8.950, de 1994), em verdadeira usurpação de competência legislativa.

Vejamos alguns exemplos desse posicionamento atual e a casuística de cada um:

"Ainda que se possa atribuir, à chamada valoração da prova, a conotação de uma questão de direito, mister seria que estivesse essa questão vinculada a um tema constitucional, para que tivesse cabimento o recurso extraordinário, no regime da Constituição de 1988. (STF, 1ª T., AGRAG

n. 133.242/SP, rel. Min. Octávio Gallotti, RTJ 146/906).

"Agravo regimental. Negar valor de prova a determinadas declarações é questão que se circunscreve ao âmbito da valorização da prova, matéria infraconstitucional que dá margem, no máximo, a ofensa indireta ou reflexa a Constituição, para cujo exame não é cabível o recurso extraordinário. Agravo a que se nega provimento." (STF, 1ª T., AGRAG n. 140.087/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU, de 4.8.95, p. 22.451).

"Recurso extraordinário – Reexame dos elementos probatórios e valoração. Impossível é confundir enquadramento jurídico dos fatos relatados na decisão proferida com a valoração dos elementos probatórios dos autos, sempre a pressupor o exame destes. Perquire-se o cabimento do extraordinário em um dos permissivos constitucionais a partir da moldura fática delineada soberanamente pela corte de origem. Nisto está a essência da atuação em sede extraordinária." (STF, 2ª T., AGRAG n. 146.912/GO, rel. Min. Marco Aurélio, DJU, de 19.3.93, p. 4.283)5.

"Para se chegar à conclusão contrária a que chegou o acórdão recorrido, mister seria o reexame dos elementos probatórios para verificar-se se o devedor tem, ou não, meios para o pagamento da dívida. Ademais, ainda que se tratasse de valorização da prova, essa questão se situa no âmbito processual infraconstitucional, não dando margem, assim, ao cabimento do recurso extraordinário. (STF, 1ª T., AGRAG n. 147.722/DF, rel. Min. Moreira Alves, DJU, de 4.4.97, p. 10.525)"6.

"Empréstimo agrícola. Requisitos do artigo 47 do ADCT. Para se saber se o fato alegado é, ou não, verdadeiro, será preciso, sem dúvida, reexaminar a prova produzida pela instituição credora a que cabe o ônus dessa produção (art. 47, § 3º, II, do ADCT). E para isso não se presta o recurso extraordinário (Súmula n. 279). A valorização da prova consiste em se examinar o valor jurídico atribuído a uma prova (como, por exemplo, não se admitir prova que a lei admite), e não em se reexaminar a prova produzida para verificar se ela foi corretamente interpretada, hipótese essa que é de reexame de prova, para o qual não é cabível o recurso extraordinário (Súmula n. 279). Ademais, no atual sistema constitucional, em que o recurso extraordinário se adstringe ao exame da violação direta à Constituição, a análise de questão relativa, efetivamente, à valorização de prova não cabe no âmbito dele, por se tratar de matéria infraconstitucional. Agravo regimental a que se nega provimento." (STF, 1ª T., AGRAG n. 153.836/MA, rel. Min. Moreira Alves, DJU, de 16.12.94, p. 34.893)7.

"Artigo 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Isenção da correção monetária. Financiamento rural. Capacidade de pagamento. Matéria de prova. Relator: competência para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso. Não tem consistência a alegação de que o despacho agravado impediu o processo legal e cerceou a defesa do agravante ao decidir isoladamente a questão. É legítima a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência (RI/STF, art. 21, § 1º, Lei

n. 8.038/90, art. 38). É ônus do credor que alega provar a capacidade de pagamento do devedor. No caso, a prova apresentada foi considerada insuficiente pelas instâncias ordinárias. O quadro revelado pelo acórdão recorrido, muito embora o agravante tente desviar a discussão para o terreno da valorização da prova, não permite a abertura da via recursal extraordinária, pois não prescinde do reexame dos elementos fáticos. Agravo regimental improvido." (STF, 1ª T., AGRAG

n. 158.004/MG, rel. Min. Ilmar Galvão, DJU, de 2.6.95, p. 16.239)8.

"Recurso de natureza extraordinária – Moldura fática. Na apreciação de todo e qualquer recurso de natureza extraordinária, parte-se do quadro fático definido mediante a prolação do acórdão atacado. Defeso e adentrar o exame dos elementos probatórios dos autos para, mercê de acórdão que não chegou a ser proferido, dizer-se do enquadramento do recurso de índole extraordinária no permissivo legal ou constitucional. Há nítida distinção entre removimento de matéria fática – vedado em sede extraordinária – e valoração jurídica do que se contém, em termos de fundamentos, na decisão impugnada". (STF, 2ª T., AGRAG n. 158.608/SP, rel. Min. Marco Aurélio, DJU, de 12.5.95, p. 12.997)9.

"1. Recurso extraordinário inadmitido. 2. Discussão em torno da valorização da prova produzida pelo Ministério Público em confronto com a prova da defesa. 3. Verificação que depende do reexame do conjunto probatório, o que se faz interditado em recurso extraordinário, à vista da Súmula

n. 279. 4. Agravo regimental desprovido." (STF, 2ª T., AGRAG n. 181.140/CE, rel. Min. Néri da Silveira).

A tendência atual da Suprema Corte, como vimos acima, é considerar a valoração ou valorização legal da prova como questão infraconstitucional, ou como ofensa reflexa ou indireta da Constituição, para obstar, em qualquer das hipóteses, o conhecimento do recurso extraordinário com base no verbete da Súmula n. 279.

Merece redobrada atenção, portanto, a admoestação feita pelo Ministro Octávio Gallotti, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo n. 133.242/SP, in verbis:

"Não bastaria que a chamada "valoração" da prova pudesse assumir a conotação de uma questão de direito, para dar ensejo ao cabimento do recurso extraordinário.

Mister seria, no regime da Carta de 1988, que estivesse tal questão vinculada a algum tema constitucional, para que se desse o cabimento do apelo..." (RTJ 146/906).

Essa possibilidade aviltrada, a valoração ou valorização legal da prova vinculada a um tema constitucional, parece ser uma via transitável que merece ser percorrida.

2.2. Posição do STJ

10

De outra parte, no Superior Tribunal Justiça, a rigidez da Súmula n. 7 vem sendo mitigada por parte da jurisprudência, ainda que timidamente.

Em matéria de valoração ou valorização legal da prova, o Superior Tribunal de Justiça acolheu esse princípio, conhecendo do recurso especial ao interpretar o artigo 1.165 do Código Civil e decidir a

qualificação jurídica da manifestação de vontade de determinado ato jurídico, por escritura pública, nominado como de "renúncia à doação":

"Entretanto, no caso presente, as conseqüências jurídicas da escritura, nominada como de "renúncia à doação", em absoluto dependem do simples exame de provas, mas vinculam-se e decorrem da própria qualificação jurídica atribuível ao aludido ato de manifestação de vontade: se constitui renúncia à doação anteriormente feita, se nova doação condicional, se nova doação sob termo suspensivo, se disposição de última vontade.

O Supremo Tribunal Federal, nos ERE n. 77.539 (RTJ 74/144), apreciou caso em que o Tribunal local entendera que a hipótese, então em julgamento, não era de "mandato"; a Colenda 2ª Turma do STF, todavia, deu provimento ao apelo extremo por ofensa ao artigo 1.288 do Código Civil, julgando que os documentos realmente constituíam "mandato", e válido. Os embargos não foram conhecidos pelo plenário do Pretório Excelso, sob o argumento de que a decisão da Turma não procedera à mera reavaliação da prova, mas sim dera "nova qualificação jurídica ao ato controverso". A ementa assim ficou redigida:

Mandato. Questão de Direito. Se o acórdão reconheceu a existência evidente de um mandato, negado pela instância local, e atribuiu-lhe os efeitos da lei, decidiu então sobre a qualificação jurídica do ato, o que é questão de Direito, e não de fato."

A tese deste v. aresto ajusta-se, à perfeição, ao caso ora em julgamento, permitindo-nos perquirir da natureza jurídica do ato controvertido, a fim de que possamos constatar a ocorrência, ou não, da invocada contrariedade à lei federal, acaso cometida no v. aresto recorrido. Ante tal propósito, inaplicável a Súmula n. 454 do STF." (STJ, 4ª T., REsp n. 444/RJ, rel. Min. Athos Carneiro, RSTJ

15/233)

Discutindo a natureza jurídica de um mandato em causa própria, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:

"Ementa - Denunciação da lide. Mandato in ren propriam. Responsabilidade dos mandatários pelos riscos da evicção.

É questão federal, para efeito de cabimento do recurso especial, o concernente à qualificação jurídica do contrato, à ‘natureza jurídica’ de documento. É mandato em causa própria, e não simplesmente ad negotia, aquele em que o mandante confere poderes para alienar imóvel, declara o recebimento do preço, isenta de prestações de contas, passando assim o procurador a agir realmente em seu próprio interesse e por conta própria.

Configuração do mandato em causa própria como negócio oneroso, com transmissão da posse e conseqüente responsabilidade do transmitente pelos riscos da evicção. Artigos 70, I, do Código de Processo Civil, e 1.107 e 1.073 do Código Civil.

Admissibilidade da denunciação ‘coletiva’, com chamamento conjunto, e não ‘sucessivo’, dos vários antecessores na cadeia de proprietários ou possuidores.

Recurso especial conhecido pela alínea "a" e parcialmente provido." (REsp n. 4.589/PR, T, rel. Min. Athos Carneiro, RSTJ 27/303).

Consta do voto do Ministro Relator:

"Conheço do recurso extremo, eis que a controvérsia trazida à Superior Instância não se limita à mera interpretação de cláusula contratual, defesa em sede de recurso especial, mas sim implica na qualificação jurídica dos instrumentos de mandato outorgados a Brasilino pela extinta Maria Francisca de Almeida, respectivamente em 22 de setembro de 1954 e em 29 de dezembro de 1955. Assim decidiu esta 4ª Turma no REsp n. 444, na linha da orientação do Excelso Pretório nos ERE n. 77.539 (RTJ 74/144), julgados sob a ementa seguinte:

‘Mandato. Questão de direito. Se o acórdão reconheceu a existência evidente de um mandato, negado pela instância local, e atribuiu-lhe os efeitos da lei, decidiu então sobre a qualificação jurídica do ato, o que é questão de Direito, e não de fato.’"

Em matéria de previdência social, sobre o reconhecimento da prova testemunhal, para comprovação do tempo de serviço prestado por estagiário em escritório de advocacia, decidiu:

"Sobre o ponto, com propriedade, assinalou o despacho de admissibilidade (fls. 132):

‘A questão, como se percebe, não caracteriza reexame de prova, para verificar se, em face de documento idôneo, se reconheceu, acertada ou erroneamente, a certeza do fato da causa, operação vedada no âmbito do recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Cuida-se, ao contrário, da qualificação jurídica da certidão de fls. 19 e da declaração de

fls. 20 para saber se se prestam ou não ao fim propugnado na ação ajuizada pelo ora recorrente.’

Daí asseverar o recorrente, apoiado na jurisprudência e doutrina, que (fls. 115/116):

‘... Compreensível, portanto, que o Pretório Magno houvesse construído sua jurisprudência, levando em conta que a qualificação jurídica dos fatos não constitui quaestio facti, porém quaestio juris, suscetível de apreciação até em recurso extraordinário.

Se se trata de examinar o critério legal da valorização da prova, o caso não é de simples apreciação e, sim, de uma questão de direito (RE n. 88.716, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 92/250).’

(...)

Diante das peculiaridades que a hipótese encerra, tenho por válida a prova produzida (documento de fls. 19) tanto mais porque goza de fé pública, pelo que dou provimento ao recurso." (STJ, 2ª T., REsp n. 5.241/MG, rel. Min. Américo Luz, RSTJ 29/328)

Em decisão em que se proclamou a inexistência de título que embasasse a ação de execução, eis que não indicado o valor supostamente devido, o STJ decidiu:

"Como se vê, travou-se controvérsia sobre a qualificação jurídica do contrato, para saber se o mesmo constituiria ou não um título executivo. Quando se discute a qualificação jurídica de documento, está se versando tema de direito, não matéria de fato." (STJ, 3ª T., REsp n. 24.654-8/RJ, rel. Min. Waldemar Zveiter, RSTJ 52/131).

A respeito da fixação da indenização, na ação de desapropriação, em face dos limites da contestação e dos elementos formadores do justo preço:

"Aberto o pórtico para o exame andante, ganha significância registrar que, embora valorada a demonstração documentária (Karl Larenz – in Metodologia da Ciência do Direito – Fundação Caloustre Gulbekian – Lisboa – 5. ed. – p. 370-371), a atenção aprisiona-se à questão federal minudenciada pela parte requerente. E, nesse toar, embora a expropriatória cinja-se à fixação do justo valor, por evidente, o mesmo não pode resultar de manifesto erro na adoção dos critérios, nem escapar de inafastável realidade processual: no caso, considerando terreno rural como beneficiado por valorização de área urbana e, a partir dessa equivocada premissa, impor-se ao expropriante indenização por lucros cessantes, não cogitados na pretensão contestatória. Em assim procedendo o julgador, sem tangenciamentos, concludente que foram ignorados pertinentes regramentos

(Dec.- Lei n. 271/67; Lei n. 6.766/79, art. 42)." (REsp n. 51.507-6/MG, Primeira Turma, rel. Min. Milton Luiz Pereira, RSTJ 78/92).

Em desapropriação indireta, pela criação de área de proteção ambiental, julgada improcedente pelo Tribunal Estadual, por inocorrência de apossamento administrativo, declarada, ainda, a imprestabilidade do trabalho pericial:

"... podendo o Juiz de superior instância reexaminar questões anteriores, com a aplicação do artigo 257 – RISTJ – (Súmula n. 456-STF), parece-me razoável decidir-se pela realização de uma segunda perícia, destinada a corrigir as distorções que, segundo o v. acórdão, macularam a prova técnica realizada. Ainda porque, apesar de ficar adstrito ao laudo pericial (art. 436, CPC), no caso de "expropriação" e consideradas as afirmações contidas no julgado, mesmo reconhecendo-se que o Juiz pode aplicar as regras da experiência comum para avaliar o laudo, ressalvado o exame pericial (art. 335 – parte final – CPC), no caso, a renovação da perícia é caminho recomendado pela prudência, de modo a propiciar ao Juiz a formação de sua livre convicção (art. 130 e 437, CPC).

Demais, é providência que, acobertada pelo interesse público, preserva e não cerceia o direito das partes, assegurando um julgamento mais aproximado do sentido da Justiça." (REsp

n. 40.796-6/SP, Primeira Turma, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU, de 28.11.94)

No mesmo julgamento, o Min. Demócrito Reinaldo observou que:

"Não se pode reexaminar a prova, mas valorá-la, saber se essa prova, juridicamente, tem ou não eficácia para testificar os fatos a que ela se destina. Pode-se, desde logo, estabelecer se esse laudo é ou não imprestável. Um laudo é firmado por peritos e estes devem ser técnicos com competência necessária para firmar esse laudo. Se existirem outras provas auxiliares dentro do processo, o órgão judicante não está obrigado a aceitar esse laudo, mas deve decidir de acordo com a prova dos autos."

Em ação ordinária de indenização, pela declaração de caducidade de concessão para exploração de serviço de radiofusão de imagem e som, colhe-se do voto do Min. Milton Luiz Pereira:

"Não obstante a objetividade da argumentação, deflui da questão litigiosa que, por seus reflexos, o exame não escapa das conseqüências jurídicas sobrevindas da concessão para a exploração do "serviço de radiofusão de sons e imagens", a final, declarada perempta, com base nos artigos 67 e 75, Lei n. 4.117/62 (redação do Decreto-Lei n. 236/67) e do artigo 1º, Decreto n. 79.726/77.

O voto condutor do ferretado v. acórdão não fugiu desse exame e interpretação dos dispositivos legais invocados (fls. 466 a 470). É certo que, também, custodiou-se na revelação probatória. Contudo, com o evidenciado fito de fincar observações sobre o princípio de estrita obediência à legislação de regência pela Administração Pública. Nesse particular mostra-se apropriada a lúcida lição de Karl Larenz, a tratar de valoração da prova, assim:

‘A distinção entre questão de facto e questão de direito perpassa todo o Direito Processual; o princípio dispositivo pressupõe especialmente esta distinção. O Juiz julga sobre a "questão de facto" com base no que é aduzido pelas partes e na produção da prova; a questão de direito decide-se sem depender do que é alegado pelas partes, com base no seu próprio conhecimento do Direito e da lei, que tem de conseguir por si jura novit curia. Só os factos, isto é, os estados e acontecimentos fácticos são susceptíveis e carecem de prova; a apreciação jurídica dos factos não é objeto de prova a aduzir por uma das partes, mas tão-só de ponderação e decisão judiciais’ (in Metodologia da ciência do direito, Fundação Caloustre Gulbenkian, Lisboa, 5. ed., p. 370-371)." (REsp

n. 65.316/MG, Primeira Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU, de 17.3.97).

Nas hipóteses acima relatadas, o Superior Tribunal de Justiça ultrapassou o juízo de admissibilidade e julgou o recurso especial, acolhendo o princípio da valoração ou valorização legal da prova para superar o óbice sumular (Súmula n. 7).

Na maioria das ocorrências de que se tem conhecimento, porém, o princípio em questão é invocado para justificar o não-conhecimento do recurso especial (como motivação de tratar-se de mero reexame de provas vedado pela Súmula n. 7).

Nem por isso esses acórdãos são desinteressantes, pois, na verdade, eles encerram a conceituação do princípio da valoração ou valorização legal das provas que o Superior Tribunal de Justiça deixou assentado em sua jurisprudência. Vejamos alguns casos.

O STJ, apreciando questão em que órgãos judicantes decidiram diversamente a mesma espécie, porque um deles considerara bastante a prova e o outro insuficiente, decidiu:

"Daí a Súmula n. 279, do STF, que é peremptória: para o simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário, o que, por transposição se aplica ao recurso especial, na sua esfera. Formou-se, porém, corrente jurisprudencial que veio amenizar o seu rigor. É a dos que fazem distinção entre a simples apreciação da prova e a sua valorização, e esta última erigida em critério legal (RE n. 70.568/GB, 1ª Turma, RTJ 56/65). O STF saiu, então, de uma postura de neutralidade, dispondo-se a apurar se foi ou não infringido algum princípio probatório e, desta perspectiva, tirar alguma conclusão que servisse para a emenda de eventuais injustiças (RE n. 57.420/GB, RTJ 37/480).

Exemplo típico é aquele citado em voto do Ministro Barros Monteiro, citando o Ministro Pedro Chaves. Depois de definir o que seja indício e de acentuar que a prova indiciária sobre que assentam as presunções é de grande utilidade e aplicação no deslinde das questões presas às argüições de simulação, dolo, fraude e outras mistificações praticadas contra a boa-fé, é por essa razão que a lei, em sua função protetora da seriedade dos atos jurídicos, admite a prova das alegações por indícios e circunstâncias e consagra, também, a livre apreciação pelo juiz, levando em consideração certos pontos, tais como a natureza do negócio, verossimilhança dos fatos e até a reputação dos indiciados (Ac. e rev. cits., p. 67).

(. . .)

A inexistência de parentesco com a maioria das testemunhas, embora possa dar lugar à desvalia da prova colhida, se houve, realmente, não deixa de ser matéria de fato, que o venerando acórdão recorrido bem rechaçou. Ora, suspeitar-se do critério do julgamento sub examen, levaria ao descrédito o princípio de que o Juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, e que os motivos que lhe formaram o convencimento foram também indicados (CPC, art. 131)." (REsp n. 982/RJ, Terceira Turma, rel. Min. Gueiros Leite, RSTJ 7/403).

No tocante à prova em ação de nulidade de venda feita a non domino,por contrato particular de compra e venda de bens móveis e imóveis para fins mercantis, o STJ posicionou-se assim:

"Para efeito de cabimento do recurso especial, é necessário discernir entre a apreciação da prova e os critérios legais de sua valorização. No primeiro caso há pura operação mental de conta, peso e medida, à qual é imune o recurso. O segundo envolve a teoria do valor ou conhecimento, em operação que apura se houve ou não a infração de algum princípio probatório (RTJ 56/67, RE n. 70.568/GB)." (REsp n. 1.555/SC, Terceira Turma, rel. Min. Gueiros Leite, RSTJ 11/341).

Em agravo regimental, cujo recurso principal continha pedidos cumulados de anulação de ato jurídico com reintegração de posse, o aresto assim afirma:

"EMENTA: Processo Civil. Valoração da prova. Inocorrência. Pretensão de novo exame.

Impossibilidade.

Direito civil. Coação indemonstrada perante a Justiça local. Reexame dos fatos da causa. Vedação.

I. Somente o erro de direito quanto ao valor da prova, in abstrato, dá azo ao conhecimento do recurso especial.

II. Reexame do valor intrínseco de laudo pericial não rende ensejo à abertura da instância ex-cepcional, por constituir reapreciação da prova.

III. A ocorrência da coação, em face de suas peculiares características e sutilezas, há de ser constatada, soberanamente, nas instâncias ordinárias.

IV. Agravo regimental, que recalcitra nos equívocos do recurso especial, desmerece provimento." (AG n. 3.952/PR, Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, RSTJ 15/55).

Em caso de crime contra a economia popular, assim se expressou o STJ:

"Tratando-se de recurso extraordinário, decidiu o Supremo Tribunal Federal ser indispensável distinguir entre apreciação e valoração da prova. Ali, se cuida de mera apuração mental, de peso e medida. Aqui – valorização – se examina a ocorrência ou não da quebra de algum princípio probatório.

O Ministro Rodrigues Alckmin, a propósito, esclareceu: "No tocante ao direito probatório, portanto, somente podem ser objeto de apreciação questões de direito. O chamado erro na valoração ou valorização das provas, invocado para permitir o conhecimento do recurso extraordinário, somente pode ser o erro de direito, quanto ao valor da prova abstratamente considerado. Assim, se a lei federal exige determinado meio de prova no tocante a certo ato ou negócio jurídico, decisão judicial que tenha como provado o ato ou negócio por outro meio de prova ofende ao direito federal. Se a lei federal exclui baste certo meio de prova quanto a determinados atos jurídicos, acórdão que admita esse meio de prova excluído ofende à lei federal. Somente nesses casos há direito federal sobre prova, acaso, ofendido, a justificar a defesa dos ius constitutionis. Mas, quando, sem que a lei federal disponha sobre valor probante, em abstrato, de certos meios de prova, o julgado local, apreciando o poder de convicção dela, conclua (bem ou mal) sobre estar provado, ou não, um fato, aí não se tem ofensa ao direito federal: pode ocorrer ofensa (se mal julgada a causa) ao direito da parte. Não cabe ao STF, sob color de "valorar a prova", reapreciá-la em seu poder de convicção, no caso, para ter como provado o que a instância local disse não estar. Seria, induvidosamente, transformar o recurso extraordinário em uma segunda apelação, para reapreciação de provas (que se consideram mal apreciadas) quanto a fatos da causa." (RTJ - 86/558/559).

Tenho que, cabendo a este Superior Tribunal de Justiça velar pela unidade e aplicação do direito federal, esse entendimento deve ser acolhido." (STJ, REsp n. 2.656/PR, Quinta Turma, rel. Min. Costa Lima, RSTJ 20/248).

A respeito de ação de caráter alimentar, acoimada de julgamento ultra petita, pela fixação da pensão em quantum superior ao solicitado na inicial, o STJ decidiu:

"Todavia, para simples reexame da prova não cabe o apelo excepcional, já o disse a Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal e repete-o hoje a Súmula n. 7 desta Corte. A eficácia da prova técnico-pericial, a sua roboração pelos depoimentos testemunhais tomados durante a fase instrutora, tudo isto constitui matéria decidida de modo soberano pela instância ordinária, que não cabe mais revolver na via do recurso especial.

Mais uma vez se traz à colação o voto da lavra do saudoso Ministro Rodrigues de Alckmin, inserto na RTJ 86, que espanca qualquer dúvida quanto à conceituação do que seja a valorização da prova, in verbis:

"O chamado erro na valoração ou valorização das provas, invocado para permitir o conhecimento do recurso extraordinário, somente pode ser o erro de direito, quanto ao valor da prova abstratamente considerado. Assim, se a lei federal exige determinado meio de prova no tocante a certo ato ou negócio jurídico, decisão judicial que tenha como provado o ato ou negócio por outro meio de prova ofende ao direito federal. Se a lei federal exclui baste certo meio de prova quanto a determinados atos jurídicos, acórdão que admita esse meio de prova excluído ofende à lei federal. Somente nesses casos há direito federal sobre prova, acaso, ofendido, a justificar a defesa do ius constitutionis. Mas, quando, sem que a lei federal disponha sobre valor probante, em abstrato, de certos meios de prova, o julgado local, apreciando o poder de convicção dela, conclua (bem ou mal) sobre estar provado, ou não, um fato, aí não se tem ofensa ao direito federal: pode ocorrer ofensa (se mal julgada a causa) ao direito da parte. Não cabe ao STF, sob color de ‘valorizar a prova’, reapreciá-la em seu poder de convicção, no caso, para ter como provado o que a instância local disse não estar. Seria, induvidosamente, transformar o recurso extraordinário em uma segunda apelação, para reapreciação de provas (que se consideram mal apreciadas) quanto a fatos da causa." (fls. 558-559)." (REsp n. 4.518/RS, Quarta Turma, rel. Min. Barros Monteiro, RSTJ

29/317)

Em revisão criminal na qual se pleiteava a decretação de nulidade processual em ação penal, decidiu o STJ:

"Com efeito, depreende-se dos autos que a revisão foi mera reiteração da apelação, a matéria ali estampada fora anteriormente apreciada – encontrando-se agora já sepultada – por isso, foi o pedido rejeitado em sede revisional, ante a sua natureza, que não se adequa ao puro e simples reexame do quadro probatório.

Como cediço, o recurso especial não se presta a reexame de prova, na mesma linha da Súmula n. 7 erigida por este Tribunal, quando, por força da ordem constitucional, o apelo extremo se destina prioritariamente ao exame da matéria infraconstitucional.

Entretanto, insiste o recorrente em que não acertou a decisão na valoração jurídica da prova. Razão não lhe assiste.

No dizer do saudoso Ministro Rodrigues Alckmin (RTJ 86/558): "O chamado erro na valoração ou valorização das provas, invocado para permitir o conhecimento do recurso extraordinário, somente pode ser o erro de direito, quanto ao valor da prova abstratamente considerado. Assim, se a lei federal exige determinado meio de prova no tocante a certo ato ou negócio jurídico, decisão judicial que tenha como provado o ato ou negócio por outro meio de prova ofende ao direito federal. Se a lei federal exclui baste certo meio de prova quanto a determinados atos jurídicos, acórdão que admita esse meio de prova excluído ofende a lei federal. Somente nesses casos há direito federal sobre prova, acaso, ofendido, a justificar a defesa dos ius constitutionis. Mas, quando, sem que a lei federal disponha sobre valor probante, em abstrato, de certos meios de prova, o julgado local, apreciando o poder de convicção dela, conclua (bem ou mal) sobre estar provado, ou não, um fato, aí não se tem ofensa ao direito federal: pode ocorrer ofensa (se mal julgada a causa) ao direito da parte. Não cabe ao STF, sob color de "valorar a prova", reapreciá-la em seu poder de convicção, no caso, para ter como provado o que a instância local disse não estar. Seria, induvidosamente, transformar o recurso extraordinário em uma segunda apelação, para reapreciação de provas (que se consideram mal apreciadas) quanto a fatos da causa." (REsp n. 13.423/RJ, Quinta Turma, rel. Min. Edson Vidigal, RSTJ 36/426).

3. Conclusão

Pode-se concluir, desse modo, que o princípio da valoração ou valorização legal da prova deve ser necessariamente vinculado a tema constitucional para vencer o óbice da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal e possibilitar o conhecimento do recurso extraordinário.

Já no Superior Tribunal de Justiça, como vimos, o princípio é aceito com reservas, razão pela qual deve estar bem demonstrada a prevalência da questão de direito, ainda que ligada ao fato que se quer valorar ou valorizar legalmente como prova.

Cabe rememorar, finalmente, a relevância da prova pericial nos pleitos de indenização pela criação das áreas de proteção ambiental, especialmente quando deduzidos em ação de desapropriação indireta. Tal qual se dá na ação de desapropriação, é a prova pericial que vai responder às principais controvérsias instauradas na lide em tela (v.g.: se o título dominial contém elementos suficientes à identificação e localização do imóvel; se a área está abrangida pelo perímetro da área de proteção ambiental; se existe possibilidade econômica de aproveitamento da cobertura vegetal, caso o imóvel não sofresse as restrições criadas com a área de proteção ambiental, e qual o custo dessa exploração comercial etc.).

Daí a relevância do laudo pericial que é tido, pela doutrina, como prova de capital importância, como ensina José Carlos de Moraes Salles:

"É verdade que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos (art. 436 do CPC). Não é menos verdade, entretanto, que o laudo, sendo um parecer dos técnicos que levaram a efeito a perícia, é peça de fundamental importância para o estabelecimento daquela convicção.

No feito expropriatório, principalmente, em que se veda ao expropriando a discussão de outras questões que não a de vícios do processo judicial ou a da impugnação do preço (art. 20 do Decreto-Lei n. 3.365/41), a prova pericial assume primordial importância.

Releva notar que o § 1º do artigo 23 da Lei de Desapropriações faz referência expressa às circunstâncias enumeradas no artigo 27 do mesmo diploma, determinando que sejam indicadas no laudo pelo perito. Ora, tais circunstâncias são exatamente as que irão motivar o convencimento do magistrado na fixação do valor da indenização, devendo ser obrigatoriamente indicada na sentença, nos precisos termos do artigo 27." (A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 259) .

Nesse mesmo diapasão, a voz autorizada do eminente José Cretella Júnior, que aduziu critérios legais de apreciação axiológica, em contrapartida à opinião meramente subjetiva:

"Os requisitos que devem figurar necessariamente no laudo são os seguintes: 1) estimação do bem para efeitos fiscais; 2) preço de aquisição do bem; 3) interesse que dele aufere o proprietário; 4) situação do bem; 5) estado de conservação do imóvel; 6) condições de segurança oferecidas pelo imóvel; 7) valor venal dos bens da mesma espécie nos últimos cinco anos; 8) valorização ou depreciação da área remanescente pertencente ao réu; 9) pormenores relativos à coisa e que possam interessar, especialmente, à fixação do preço. Ver: artigo 27 do Decreto-Lei n. 3.365.

Baseado nestes elementos de fato, consubstanciados no laudo, o juiz indicará na sentença os fatos que motivaram seu convencimento. Trata-se, pois, de opinião não puramente subjetiva do juiz, mas sim de apreciação axiológica com suporte fático nos elementos apresentados no laudo." (Tratado geral da desapropriação, Forense, 1980, 2. v, p. 100).

Esses argumentos doutrinários acabaram por impressionar a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em polêmica travada sobre laudo avaliatório em face da cogitada justa indenização. O julgamento foi conduzido pelo voto do Ministro Milton Luiz Pereira, acolhido por unanimidade. Sustentou o ilustre Relator que:

"... em tema de desapropriação, o laudo técnico tem exponencial significação para assegurar a justa indenização, não se acomodando à satisfação de mera formalidade. Como referência informativa, justaponha-se que a necessidade de efetiva apuração de valores deflui de preceito

constitucional, erigindo como direito e garantia do pagamento do justo preço, requisito indissociável à transferência do domínio particular ao Poder Público expropriante.

Tanto assim que, mesmo na hipótese da revelia do expropriado, a perícia é indispensável, porque não se aceita concordância ficta ou tácita com o preço. Deve ser expressa (Ação Rescisória

506-BA, rel. Min. Pedro Acioli, in DJU, de 5.2.82; REsp n. 35.520-6-SP, j. 20.3.95).

Davante, no caso, manifesta a discordância, obvia-se que a avaliação oficial deve ser realizada com todo o aparato técnico, sob pena de sacrifício do direito de propriedade (art. 23, Decreto-Lei

n. 3.365/41). Outrossim, recorda-se que o juiz, na sentença, deverá atender "à estimação dos bens", suficientemente, explicitando os motivos do seu convencimento (art. 27, Decreto-lei referido).

Conquanto conhecidas essas exigências, a r. sentença apenas louvou-se em singelo "Laudo de Vistoria" (fl. 93): "... acolho o valor constante do Laudo do Perito deste Juízo" (fl. 176). Somente valorando o seu conteúdo, prospera a conclusão de que o laudo está órfão de reclamados elementos de informações técnicas para a formação do justo preço. Por outras palavras, insuficiente para o levantamento do valor contemporâneo para o pagamento dos bens expropriados.

No eito dessas considerações, à vista da fundamentação do julgado, ainda que se compreenda ser contornável a acenada contrariedade aos artigos 126, 131, 165, 458 caput e incisos I e II, CPC, parecem-me malferidos o artigo 23, c/c o artigo 27, do Decreto-Lei n. 3.365/41, de modo a justificar o provimento do recurso, com a anulação do processo expropriatório, desde a prova pericial, a fim de que outra seja realizada (art. 420 e ss. do CPC), como de direito, prosseguindo-se até o novo julgamento." (REsp n. 59.527-4/MG, DJU, de 12.8.96).

Nesse eito, repetindo o Ministro, devemos aviar a receita prescrita, vinculando a valoração ou valorização legal da prova pericial aos critérios legais (art. 27 do Decreto-Lei n. 3.365, de 1941) e constitu-cionais (justa indenização) que as questões decorrentes da criação de áreas de proteção ambiental estão a reclamar.

* Procurador do Estado de São Paulo aposentado.

1. Ver Recurso Especial n. 107.455, à p. 238.

2. Ver Recurso Especial n. 189.321, à p. 285.

3. Este acórdão está reproduzido na íntegra à p. 202.

4. Ver RE n. 57.420 - RTJ 37/480; RE n. 70.568 - RTJ 56/65; RE n. 78.036 - RTJ 72/472; RE n. 77.539 - RTJ 74/144; RE n. 86.082 - RTJ 81/280; RE n. 84.669 - RTJ 86/558; RE n. 88.716 - RTJ 92/250; RE n. 104.524 - RTJ 125/1.157; RE n. 99.590 - JSTF, LEX 66/196.

5. No mesmo sentido: AGRAG n. 146.830/GO, DJU, de 1.9.95, p. 27.389; e AGRAG n. 144.446/MG - DJU, de 5.3.93, p. 2.900.

6. Ainda: AGRAG n. 163.871/MG, DJU, de 11.4.97, p. 12.194.

7. AGRAG n. 143.032/MG, DJU, de 16.5.97; e AGRAG n. 143.052/SP, DJU, de 16.5.97.

8. AGRAG n. 158.164/RJ, DJU, de 2.6.95, p. 16.239.

9. No mesmo sentido: AGRAG n. 159.709/SP, DJU, de 12.5.95, p. 12.998; AGRAG n. 143.948/SP, DJU, de 16.6.95, p. 18.221; AGRAG n. 170.137/GO, DJU, de 2.2.96, p. 862; AGRAG n. 170.549/SP, DJU, de 2.2.96, p. 863; AGRAG n. 171.232/DF, DJU, de 2.2.96, p. 864; AGRAG n. 163.595/SP, DJU, de 16.2.96, p. 3.003; AGRAG n. 164.615/RJ, DJU, de 16.2.96, p. 3.003; AGRAG n. 145.129/SP, DJU, de 1.3.96, p. 5.013; AGRAG n. 159.193/RJ, DJU, de 12.4.96, p. 11.078; AGRAG n. 151.315/SP, DJU, de 12.4.96; AGRAG n. 172.350/RJ, DJU, de 26.4.96, p. 13.125; AGRAG n. 176.015/SP, DJU, de 26.4.96, p. 13.129; AGRAG n. 178.614/SP, DJU, de 10.5.96, p. 15.146; AGRAG n. 175.273/MT, DJU, de 17.5.96, p. 16.342; AGRAG n. 166.194/RS, DJU, de 1.7.96, p. 23.801; AGRAG n. 178.114/MG, DJU, de 1.7.96, p.23.876; AGRAG n. 180.304/CE, DJU, de 1.7.96; AGRAG n. 142.159/MG, DJU, de 8.11.96, p. 43.204; e, AGRRE n. 190.087/SP, DJU, de 21.2.97, p. 2.830.

10. Ver Recurso Especial n. 101.482, à p. 232.