Como a população lutou contra o regime militar

(Atualização em 9/3/2014, às 19h42)

Nas décadas de 1960 e 1970, o movimento estudantil universitário brasileiro se transformou em um importante foco de mobilização social. Sua força adveio da capacidade de mobilizar expressivos contingentes de estudantes para participarem da vida política do país.

O movimento estudantil dispunha de várias organizações representativas: os DCEs (Diretórios Centrais Estudantis), as UEEs (Uniões Estaduais dos Estudantes) e a UNE (União Nacional dos Estudantes), entre outras. Com suas reivindicações, protestos e manifestações, o movimento influenciou significativamente os rumos da política nacional.

A expansão das universidades

Para entender como o movimento estudantil universitário se tornou um importante ator político, é preciso considerar algumas mudanças que afetaram o sistema de ensino superior público do país. No fim da década de 1950, ele começou a crescer, com a criação de faculdades e universidades. Num país em desenvolvimento, o acesso ao ensino superior passou a ser condição para acelerar o processo de modernização, ao mesmo tempo em que abria caminhos para a mobilidade e ascensão social.

A expansão do ensino superior resultou em um aumento progressivo da oferta de vagas, que foram preenchidas por jovens provenientes, sobretudo, dos estratos médios da sociedade. As matrículas cresceram a uma taxa média de 12,5 % ao ano. As estatísticas ilustram o tamanho do aumento: em 1945, a universidade brasileira contava com 27.253 estudantes; o  total saltou para 107.299, no ano de 1962; em 1968, o número dobrou novamente, chegando a 214 mil.

Ideologia e política

O aumento do número de estudantes coincidiu com o crescimento e a consolidação de novas correntes políticas no meio universitário. As novas correntes se tornaram hegemônicas e defendiam ideologias ligadas à esquerda marxista (ou seja, um projeto socialista de transformação da ordem social). Várias lideranças de organizações estudantis tinham afinidade com essas ideias.

As correntes de esquerda foram bem sucedidas ao canalizarem a crescente insatisfação da massa jovem diante das deficiências e problemas do sistema de ensino superior. Na primeira metade dos anos 1960, a chamada "Reforma da Universidade" consistiu na mais importante luta do movimento estudantil, discutindo o papel social da universidade e seus rumos.

Golpe de 1964

O golpe militar repercutiu no movimento estudantil. A influência das correntes políticas de esquerda levou as autoridades militares a reprimirem as lideranças estudantis e desarticularem as principais organizações representativas. Primeiramente, a UNE foi posta na ilegalidade, depois as UEEs e os DCEs. Foram criadas novas organizações e novos procedimentos foram adotados para seleção de seus representantes.

As constantes tentativas das lideranças estudantis de retomarem o controle das organizações foi o principal fator a desencadear novas ondas de repressão política. Desse modo, reivindicações educacionais e manifestações de protesto político contra o governo militar foram as principais bandeiras de luta do movimento na segunda metade da década de 1960. O ápice da radicalização dos grupos estudantis ocorreu em 1968, ano marcado por grandes manifestações de rua contra a ditadura militar.

O auge da repressão

O que parecia ser uma breve intervenção militar na política acabou se transformando em uma ditadura que reprimiu violentamente grupos e movimentos de oposição. De 1969 a 1973, a coerção política atingiu o seu ápice. Neste período, o movimento estudantil foi completamente desarticulado. Parte dos militantes e líderes estudantis ingressou em organizações de luta armada para tentar derrubar o governo.

  • Como a população lutou contra o regime militar

    Intelecto de Dilma e dinheiro de Pelé foram alvo da ditadura

  • Como a população lutou contra o regime militar
  • Como a população lutou contra o regime militar
  • Como a população lutou contra o regime militar
  • Como a população lutou contra o regime militar

Em 1973, os militares derrotaram todas as organizações que pegaram em armas. Somente em 1974 começaram a surgir os primeiros sinais da recuperação do movimento estudantil. A nova geração de estudantes, que militaram e lideraram as frentes universitárias da década de 1970, teve pela frente o árduo trabalho de reconstruir as organizações estudantis.

A retomada

O período em que o movimento estudantil voltou a ter força coincidiu com uma mudança nos rumos da política nacional. Após a escolha do general Ernesto Geisel (Arena) para a Presidência da República, teve início a implementação do projeto de liberalização política, que previa a redemocratização do país.

Foi um processo lento e gradual, que durou até o fim dos governos militares. Neste período, a ditadura já não contava com apoio popular e até mesmo as elites começaram a dirigir duras críticas contra o governo militar, também não houve repressão violenta aos movimentos estudantis. A luta contra a ditadura foi travada com a bandeira das liberdades democráticas.

O ápice da retomada se deu em 1977, ano marcado pela saída dos estudantes para as ruas. Grandes manifestações de protesto e passeatas públicas mobilizaram os estudantes em defesa da democracia. Foram as reivindicações de caráter político (defesa das liberdades democráticas, fim das prisões e torturas e anistia ampla, geral e irrestrita) que se tornaram a grande força motivacional a mobilizar os estudantes.

Pouco a pouco, as principais organizações estudantis foram reconstruídas. Surgiram os DCEs-livres, as UEEs e, finalmente, em 1979, a UNE foi refundada.

Declínio e os "caras-pintadas"

Ironicamente, no fim da década de 1970, apesar de as principais organizações estarem em pleno funcionamento, o movimento estudantil universitário havia perdido sua força e prestígio político.

Desde o fim da ditadura militar, a influência social do movimento tem declinado. Em 1992, as passeatas em oposição ao presidente Fernando Collor de Mello fizeram ressurgir o movimento estudantil, mas apenas por um breve período.

(Atualização em 12/3/2014, às 23h53)

Você na ditadura

  • Como a população lutou contra o regime militar

    Jogue e descubra como você viveria os 21 anos de ditadura no Brasil

"Acorda, amor/Eu tive um pesadelo agora,/Sonhei que tinha gente lá fora,/Batendo no portão, que aflição!" Estes versos são da canção "Acorda, Amor", também conhecida como "Chame o Ladrão", de autoria de Chico Buarque de Holanda, considerado um dos grandes nomes da Música Popular Brasileira contemporânea. No entanto, quando gravados pela primeira vez, no LP "Sinal Fechado", de 1974, foram atribuídos a um desconhecido, chamado Julinho da Adelaide.

Na verdade, mais que um pseudônimo, Julinho da Adelaide foi um artifício de que Chico Buarque se utilizou para burlar a implacável censura que lhe impunha o governo militar do Brasil da época. A situação de Chico havia chegado a tal ponto, nos governos Médici, de 1969 a 1974, e Geisel, de 1974 a 1979, que os censores nem se davam ao trabalho de avaliar suas composições. Bastava que a autoria fosse dele para uma canção ser proibida de vir a público.

Por censura, entende-se o exame a que são submetidos trabalhos artísticos ou informativos, com base em critérios morais ou políticos, para avaliação sobre a conveniência de serem liberados para apresentação ao público em geral. A censura foi uma das armas de que o regime militar se valeu para calar seus opositores e impedir que qualquer tipo de mensagem contrária a seus interesses fosse amplamente divulgada.

Estudantes lutaram por democracia e educação

  • Como a população lutou contra o regime militar

    Confira importantes mobilizações com participação do movimento estudantil desde 1968

Critérios políticos e morais

O regime militar usou de critérios políticos para censurar o jornalismo, ao passo que, no a censura de artes e espetáculos, serviu-se principalmente de critérios morais. 

A censura passou por três fases durante a ditadura. A primeira se estendeu de 31 de março de 1964 à publicação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968, e teve um momento mais intenso nos meses que sucederam ao golpe, abrandando-se a partir de então.

Logo após a deposição de João Goulart (PTB), pequenos jornais de esquerda ou ligados a Jango, como "Politika", "Folha da Semana" e "O Semanário" foram depredados. O mesmo aconteceu com um dos grandes jornais da época, o "Última Hora", por ser simpático ao presidente deposto. Já o "Correio da Manhã", por denunciar os excessos dos militares, teve sua proprietária presa, além da sede invadida e interditada.

A segunda coincidiu com a publicação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, que institucionalizou o caráter ditatorial do regime e tornou a censura implacável até o início do governo Geisel, em 1975. 

Por fim, durante os governos Geisel, de 1975 a 1979, e Figueiredo, de 1979 a 1985, a censura tornou-se gradativamente mais leve, até o restabelecimento do regime democrático.

Leis da censura prévia

O Decreto-Lei nº 1.077, de 21 de janeiro de 1970 instituiu a censura prévia, exercida de dois modos: ou uma equipe de censores instalava-se permanentemente na redação dos jornais e das revistas, para decidir o que poderia ou não ser publicado, ou os veículos eram obrigados a enviar antecipadamente o que pretendiam publicar para a Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, em Brasília.

O controle sobre a imprensa já havia sido regulamentado pela Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, a Lei de Imprensa, que obviamente restringia a liberdade de expressão. No entanto, a situação se tornou mais crítica com a edição do AI-5, bem como com a do Decreto-Lei nº 898, denominado Lei de Segurança Nacional (LSN), de 29 de setembro de 1969, complementada no ano seguinte pelo Decreto-Lei nº 1.077.

Mas a censura também era exercida informalmente, por meio de telefonemas e comunicados por escrito ("bilhetinhos") proibindo a publicação de determinados assuntos. O governo também se utilizava da pressão econômica, retirando a publicidade das empresas estatais dos órgãos de imprensa que o contrariavam.

Em 1970, o "Jornal do Brasil", do Rio de Janeiro, perdeu 15% de sua receita, sendo obrigado a "negociar" com os militares, isto é, a amenizar sua postura crítica em relação ao governo.

Televisão

Problemas sociais e econômicos também tinham restrita sua divulgação, de modo a evitar supostos estragos à imagem do país. Um exemplo bastante significativo foi a censura ao noticiário referente à epidemia de meningite que ocorreu no Brasil em 1974.

O teatro e a música popular também estavam na mira da Divisão de Censura. No entanto, por ter se tornado o veículo de comunicação de maior audiência durante as décadas de 1960 e 1970, a televisão sofreu censura, principalmente nas novelas, os programas com mais popularidade. Desde "Beto Rockfeller" (TV Tupi, 1968 - 1969), cujo personagem principal não se pautava pelo figurino moral da época, as novelas chamaram a atenção da ditadura.

Os capítulos tinham cenas cortadas e trechos alterados, e eram praticamente reescritos pelos censores, o que resultava, muitas vezes, na adulteração do sentido original que o autor tinha pretendido lhes dar. Foram vítimas da censura os principais autores de telenovela de então: Dias Gomes, Janete Clair, Ivani Ribeiro, Bráulio Pedroso, Jorge de Andrade, Lauro César Muniz, entre outros.

Além da política

As proibições e alterações tinham frequentemente caráter subjetivo e arbitrário. Um exemplo é a orientação passada à produção da novela "Escrava Isaura", exigindo que fossem amenizados o enfoque sobre o comportamento inescrupuloso de um personagem, Leôncio, e as cenas que retratavam os maus-tratos dados pelos feitores aos escravos.

Além da intervenção para alterar o conteúdo dos programas, a censura também podia utilizar métodos mais radicais. A exibição de uma novela podia ser simplesmente proibida, como aconteceu com a primeira versão de "Roque Santeiro", de Dias Gomes, que a rede Globo pretendia levar ao ar. Também foi vetada a sinopse de "Pedreira das Almas", de Jorge Andrade, uma adaptação para a TV de sua peça teatral homônima.

A desobediência às regras do governo podia resultar em outras consequências, como o afastamento ou a demissão de funcionários, o que aconteceu, por exemplo, com um superintendente de produção e programação da TV Tupi, por ter mostrado no ar, durante um capítulo de "O Profeta", a figura de dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal de São Paulo, que militava ativamente na luta pelo respeito aos direitos humanos.

A vigilância dos meios de comunicação permaneceu até o restabelecimento do regime democrático, sob a presidência de José Sarney (PMDB), e a entrada em vigência da Constituição de 1988, que em seu artigo quinto estipula a liberdade de manifestação do pensamento.