O estudo de casos será discutido como metodologia de pesquisa na articulação entre psicanálise e educação.
Tal discussão se insere no trabalho efetuado pela parceria entre o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nipiac-UFRJ), o Instituto de Psiquiatria (UFRJ), a Faculdade de Educação da UFRJ e da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde casos de crianças e adolescentes com entraves na escolarização foram objeto de análise. Pela temática do mal-estar na escolarização, o estudo de casos aliado à pesquisa-intervenção se ofereceu propício para a análise de fenômenos contemporâneos inseridos em contextos de vida real. Discute-se aqui sobre a importância da definição dos casos, da questão de estudo e produção do material, sua organização e análise, bem como possíveis resultados e produtos. Por fim, é tecida uma reflexão sobre os desafios metodológicos encontrados na realização da pesquisa.
Autores: | Cristiana Carneiro | |
Palavras-chave: | estudos de caso, metodologia de pesquisa, psicanálise, educação | |
Referência completa: | CARNEIRO, C. O estudo de casos múltiplos: estratégia de pesquisa em psicanálise e educação. PSICOLOGIA USP, v. 29, n. 2, p. 314-321, 2018. |
O que é um estudo de caso em um material científico?
Iremos aprofundar as nossas discussões ao longo desse post, porém, é muito importante que antecipemos um pouco das nossas colocações sobre como este tipo de método pode ser incorporado aos materiais científicos dos tipos mais diversos, desde os mais curtos até os mais extensos. A primeira coisa que você precisa saber sobre esta abordagem é que se trata de uma metodologia de caráter aplicado. Contudo, para que o estudo do caso possa ser feito efetivamente, antes, em sua discussão teórica, é preciso apresentar o que a literatura tem discutido sobre os conceitos relacionados ao caso, que será analisado posteriormente. Esta literatura deve fornecer bases para que o caso possa ser apresentado e discutido. A análise, portanto, é sempre de um caso específico. Suponhamos que você queira investigar a logística de uma empresa. É possível analisar esse caso, desde que alguns cuidados sejam tomados.
A importância da discussão teórica em pesquisas aplicadas
Antes que qualquer parte aplicada possa ser apresentada em uma pesquisa científica, é preciso que antes haja uma discussão teórica que forneça base o suficiente para que a análise seja, de fato, científica. Não podemos, em um trabalho científico, falar sobre algo sem que partamos de uma base teórica sólida. Para que possamos analisar algo ou afirmarmos qualquer coisa, é preciso que nos apoiemos em autores, conceitos e teorias. Suponhamos que você queira fazer um estudo de caso em uma empresa que conta com uma administração empreendedora, é provável que você queira saber quais são os parâmetros utilizados e quais são as características que definem o formato de administração seguido por essa empresa. Para tanto, deve-se estudar a empresa e os aspectos/variáveis sem que o estudo tenha uma discussão teórica que sustente essa parte prática. Em qualquer afirmação precisamos nos apoiar na literatura.
Estudo de caso em administração empreendedora
Posso analisar mais de um estudo de caso?
Possibilidades de análise de casos em administração
Atenção às semelhanças entre os casos analisados
Uma das vantagens em fazer a análise de casos múltiplos é a possibilidade de demonstrar a ação do modelo em contextos diferentes. Para isso, é preciso recuperar o que a literatura tem debatido sobre a pauta. Quanto mais sólida a discussão teórica trazida pelo seu estudo, mais produtiva será a sua análise, porque você recuperará esses aspectos que foram verificados por estudos e irá os validar ou não com base nos casos que selecionou para a análise. Semelhanças e diferenças entre os resultados são ambos bem-vindos e podem ser contrastados no momento da análise, desde que a discussão teórica também seja recuperada. Você pode não concordar com nenhum resultado da literatura que utilizou em seu marco teórico, porém, precisará demonstrar os pontos divergentes entre os seus resultados e os da literatura. Qualquer afirmação dessa literatura pode ser refutada, desde que seja baseada.
Refutando a literatura
Ao abordar os resultados da literatura, pode-se afirmar que ao realizar a comparação os resultados com esse modelo de administração foram diferentes. Demonstrar para que tipo de empresa a administração empreendedora funciona melhor é muito interessante. Com isso, torna-se válido ressaltar que não há um limite de casos que você pode ou não analisar. É permitida a análise de casos múltiplos, desde que você parta das mesmas variáveis para analisar cada um deles. Além de fazer uma comparação entre várias empresas, será preciso, também, que cada aspecto desses casos sejam muito bem detalhados. Apontar o perfil das empresas, o seu tamanho, o seu porte, segmento e setor, os motivos que fizeram com que você escolhesse essas empresas para a análise de casos múltiplos, a quantidade em média de colaboradores, dentre outros aspectos é essencial.
Os tipos de análise
Se você conseguir apontar que essas empresas delimitadas seguem a uma mesma lógica, você terá um tipo específico de análise. Contudo, se esses múltiplos casos possuírem características muito diferentes, você terá outros tipos de resultados. Essas questões manifestam-se no momento da análise e demandam um certo cuidado. O cuidado ao qual estamos nos referindo aqui é a sustentação teórica do seu estudo. Para isso, é necessário pensar como um pesquisador. Ao propor uma análise de casos múltiplos é preciso que você leve em consideração que são vários os elementos que irão fornecer a você cenários de análise muito diferentes entre si. Para esta questão ficar mais clara, iremos apresentar um exemplo de estudo de casos na área da saúde, já que eles são muito comuns. Como exemplo, iremos utilizar o caso de um paciente diagnosticado com depressão.
Estudo de caso na área da saúde
Suponhamos que você tenha pegado dez ou quinze pacientes diagnosticados com depressão para comporem o seu estudo. Todos eles fizeram tratamento para a depressão e por isso foram considerados pela amostra. Esses pacientes, por sua vez, podem ter passado por diferentes tipos de terapia. Além disso, você pode ter pacientes diagnosticados com depressão que fazem parte de um cenário muito parecido e por isso foram considerados. Contudo, para testar as suas hipóteses, diferentes tipos de tratamento podem ser aplicados a fim de que seja possível chegar àquele que é mais eficaz. Um desses pode ser submetido à terapia psicológica associada à medicamentosa, outro pode ser submetido à terapia medicamentosa associada à terapia cognitiva e outro pode ser submetida a uma outra terapia. Como formas diversas estão em jogo, você pode comparar essas reações aos tratamentos por meio do estudo de caso.
Os aspectos anteriores à análise
Mesmo que os pacientes façam parte de um cenário próximo, podem possuir características anteriores ao tratamento que suscitaram resultados específicos que podem mudar o rumo da sua pesquisa. Esses fatores anteriores, portanto, irão interferir na efetividade do caso que está estudando. Para obter esse panorama, seria preciso levar em consideração uma quantidade significativa de casos. Porém, é possível, também, reduzir essa quantidade. Um estudo de caso também permite que você compare um sujeito com um outro apenas. Como envolve mais de uma pessoa/entidade, não se trata de um único caso, mas de múltiplos casos. Você, por meio de seu estudo, precisará demonstrar como esses sujeitos reagiram ao longo do seu estudo. O principal desafio ao propor esse tipo de estudo é o respeito à individualidade daqueles que estão sendo analisados. Para isso, submeta o projeto ao Comitê de Ética.
A importância de buscar por uma base capaz de sustentar a análise
A análise de casos na área da engenharia
Retomando o nosso exemplo anterior, ao observar as casas e edifícios de uma rua que possuem rachaduras, é possível apresentar, de forma científica, as patologias que têm feito com que esses edifícios/casas estejam danificadas. Para isso, pode ser feita uma comparação entre os edifícios/casas. Como estão na mesma rua/calçada, esta é uma variável que deve ser levada em consideração. Como você pode notar, temos, aqui, também, um estudo múltiplo de casos. Mesmo que seja uma mesma rua, temos mais de um edifício/casa que está sendo analisado e contraposto aos demais. Embora tenhamos apresentado exemplos da área da saúde, administração e engenharia, todas as áreas do conhecimento podem aplicar este tipo de método. O estudo de caso deve sempre responder a uma demanda/problema social.
Além disso, todos os níveis da cátedra acadêmica admitem este método (graduação, mestrado e doutorado). Contudo, antes de aplicar o método, converse com o seu orientador para verificar se ele concorda ou não com essa abordagem de pesquisa e se ela tem a ver com os seus objetivos de pesquisa. A depender deles, o método pode ser pouco eficaz. Além disso, é preciso que a sua sustentação teórica seja capaz de ser aproveitada no momento da análise. Para que você possa propor uma análise de múltiplos casos, é preciso que ela tenha um motivo para existir. Você obterá essa resposta verificando se a sua metodologia é capaz de responder ao seu problema de pesquisa e aos objetivos. Esse problema precisa ser atual e relevante para o mundo atual no qual vivemos. Não basta que seja uma estratégia legal. Deve ser útil.